Dívida de Gratidão – por Luciano Subirá

22/04/2010

Em 1993 eu vivi uma experiência marcante em Itajaí, no Estado de Santa Catarina. Eu estava na praia com um grupo de irmãos, depois de pregar num encontro de igrejas, e eu ouvi alguém gritando por ajuda. O pedido de socorro vinha de um lugar de onde havíamos acabado de sair, por conselho de um morador local que nos acompanhava. Ele nos orientou que, com a maré do jeito que estava (com a praia estando inclusive sinalizada com bandeiras vermelhas indicando o perigo), em pouco tempo teríamos dificuldades para sairmos de lá. Portanto, prontamente o ouvimos e fomos a um local mais raso e mais seguro. Ao ouvir os gritos do rapaz que estava em apuros, nadei em sua direção, para ajudá-lo a sair da água, enquanto os outros irmãos foram chamar os salva-vidas. Com muito esforço eu consegui trazê-lo até a metade do caminho. Foi o suficiente para que os bombeiros tivessem o tempo de entrarem na água e tirarem a ele e a mim, pois eu também já me encontrava completamente exausto!

Lembro-me que, ao sair do mar e conseguir chegar até a praia, eu tive que me deitar para recobrar o fôlego e as forças. Enquanto eu ainda estava deitado na areia, os amigos daquele rapaz que eu ajudei a salvar o trouxeram carregado (ele também não tinha forças para andar) e o colocaram na minha frente, dizendo: “Agradece à pessoa que te salvou!”

Eles ficaram tão tocados com o fato de termos salvado o seu amigo que não aceitavam a idéia de que ele não havia agradecido ainda, mesmo que ele, assim como eu, mal conseguisse colocar-se em pé! O que aconteceu nesta ocasião é o tipo de coisa que eu denomino “dívida de gratidão”. Assim sendo, aproveitei para pedir-lhe algo em sinal de gratidão a Deus (que foi de fato quem poupou a vida dele): que ele fosse a uma igreja evangélica e entregasse o seu coração ao Senhor Jesus Cristo!

A maioria de nós carrega no coração um sentimento especial por pessoas que nos ajudaram em momentos de necessidade ou que serviram de apoio e suporte em horas difíceis. Recordar o que fizeram por nós dispõe o nosso coração a desejar retribuir e fazer algo em troca.

Quando falamos de amor ao Senhor na dimensão que Ele quer é natural o desejo de crescermos e amadurecermos neste amor. Assim que eu comecei a entender a importância desta manifestação mais intensa de amor, eu também comecei a procurar meios de fazer com que o meu amor aumentasse.

Jesus nos falou sobre o que leva as pessoas a amarem mais, ou menos, e fez uma relação disso com a compreensão do Seu perdão estendido a cada um de nós. Assim sendo, eu afirmo que a compreensão da dimensão do que o Senhor fez por nós nos leva a uma manifestação maior de amor para com Ele. Por outro lado, uma compreensão limitada do que Ele fez por nós nos prende a uma manifestação igualmente limitada de amor e gratidão. Foi neste contexto que Deus fez com que eu compreendesse o texto a seguir, como também o poderoso princípio nele embutido: a dívida de gratidão!

“E eis que uma mulher da cidade, pecadora, sabendo que ele estava à mesa na casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com unguento; e, estando por detrás, aos seus pés, chorando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos; e beijava-lhe os pés e os ungia com o unguento. Ao ver isto, o fariseu que o convidara disse consigo mesmo: Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou, porque é pecadora. Dirigiu-se Jesus ao fariseu e lhe disse: Simão, uma coisa tenho a dizer-te. Ele respondeu: Dize-a, Mestre. Certo credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos denários, e o outro, cinquenta. Não tendo nenhum dos dois com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Qual deles, portanto, o amará mais? Respondeu-lhe Simão: Suponho que aquele a quem mais perdoou. Replicou-lhe: Julgaste bem. E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; esta, porém, regou os meus pés com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste ósculo; ela, entretanto, desde que entrei não cessa de me beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta, com bálsamo, ungiu os meus pés. Por isso, te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama. Então, disse à mulher: Perdoados são os teus pecados. Os que estavam com ele à mesa começaram a dizer entre si: Quem é este que até perdoa pecados? Mas Jesus disse à mulher: A tua fé te salvou; vai-te em paz.” (Lucas 7.37-50)

CONTRASTES

Temos nesta história duas personagens bem distintas. De um lado, representando a dedicação à religião, temos um fariseu, um membro da mais rígida casta religiosa dos judeus. Do outro lado, como expressão da distância de Deus aos olhos dos homens, temos uma mulher chamada de “pecadora”, provavelmente uma prostituta. Os contrastes não param aí. Simão era o dono da casa, o anfitrião da festa, e tinha todo direito de estar lá. A mulher, no entanto, causou indignação nos presentes por causa do que era, e certamente apareceu por lá sem ter sido convidada. Simão agiu da forma mais polida e discreta possível, mas aquela mulher pecadora foi um escândalo diante das pessoas presentes.

Aos olhos daquelas pessoas, a grande diferença entre ambos era definida pelo pecado que se via (ou não) em suas vidas. Resumindo-se, as diferenças eram definidas pela aparência. Aos olhos de Jesus, os contrastes continuavam, mas, pela Sua explicação, percebemos que os papéis de “herói” e “vilão” se invertiam. O Senhor disse que esperava ter recebido um ósculo de Simão, mas ele não fez isto. Esta prática era um sinal de respeito, e Simão o negligenciou. Não sabemos a razão, mas ele não fez o que Jesus esperava. Contudo, a mulher desconhecida não cessava de beijar os Seus pés. Simão não lavou os pés de Jesus e nem mandou que um dos seus servos o fizesse, mas a pecadora os regou com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Simão não ungiu a Jesus com óleo, mas a mulher usou um perfume caríssimo para executar tal tarefa. Simão não se via como um pecador necessitado da graça e do perdão de Deus, mas a mulher sim!

Aos olhos de Jesus, a grande diferença entre ambos era definida pelo amor e gratidão que se via (no caso da mulher) ou não (no caso do fariseu) em suas vidas. E a diferença vista por Jesus – que não se baseava na aparência – anulava completamente a diferença percebida pelos homens, uma vez que as acusações de pecado que poderiam fazer contra aquela mulher foram completamente removidas pelo perdão de Deus que foi estendido a ela.

A QUEM MUITO SE PERDOA

É natural, como já afirmamos, esperar-se que uma pessoa se sinta em dívida com uma outra que lhe ofereceu uma grande ajuda. Todos nós sabemos o que é isto, de uma maneira ou de outra. Como pastor, eu sigo a ética pastoral convencional de nunca ser fiador de ninguém, pois a reputação do ministério pode ser facilmente destruída pelo erro de alguém que possa usar o meu nome indevidamente, sem que eu possa fazer nada a respeito. No entanto, recordo-me de uma vez em que avalizei um irmão em Cristo muito querido para mim. O valor era muito alto para a minha condição financeira, e, se ele tivesse problemas com o pagamento da sua dívida, eu poderia até mesmo perder a minha casa. Ainda assim, eu e a minha esposa fizemos por ele o que não faríamos por quase ninguém, por uma única razão: dívida de gratidão! Todas as vezes que eu precisei de um aval ou de qualquer tipo de ajuda, ele era o primeiro a oferecer-se. Ele sempre se importou comigo e foi uma grande bênção para mim. Assim sendo, com a anuência da minha esposa, tomei a decisão de avalizá-lo, mesmo que isto pudesse nos custar a casa que possuíamos!

A maioria de nós sabemos, por experiência própria, o que é sermos ajudados pelas pessoas a ponto de carregarmos no coração uma grande gratidão pelo que recebemos delas. Este princípio é algo natural, que se manifesta na vida de qualquer um que tenha consciência, quer seja um crente ou um incrédulo. E o Senhor Jesus o aplicou a nós. Ele disse que quando entendemos o Seu perdão e a dimensão dos pecados que Ele removeu das nossas vidas, ficamos naturalmente gratos e O amamos mais. Ele falou sobre dois devedores, com dívidas distintas e que foram perdoados. No entanto, um deles devia dez vezes mais do que o outro, e ficou mais agradecido. E, em Seu ensino, Jesus revela que a gratidão não está ligada meramente ao perdão da dívida, e sim à consciência da dimensão (do tamanho) do perdão. Isto fica muito claro em Sua afirmação àquela mulher: “Por isso, te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.”

REMOVENDO O ENGANO

Hoje, este trecho das Escrituras abençoa muito o meu coração e faz com que eu cresça na expressão do meu amor a Deus, mas nem sempre foi assim! Este mesmo texto já trouxe muitas dúvidas e conflitos ao meu coração!

Eu tive o grande privilégio de nascer num lar genuinamente cristão. O meu primeiro presente foi uma Bíblia. Desde cedo fui ensinado, tanto em casa como na igreja, a seguir os princípios da Palavra, e eu decidi seguí-los. Não cresci me achando santo ou perfeito, mas me afastei de tudo o que, aos meus olhos, eu considerava ofensivo a Deus. Nunca fiquei embriagado ou drogado, nunca traí ninguém, nem em amizades ou namoro, nunca roubei, e sempre fugi da prostituição. Eu me considerava alguém separado para Deus, mas, cada vez que eu lia esta passagem bíblica, eu entrava num conflito interior.

Por muitas vezes o Diabo sugeriu que eu jamais entenderia o amor e o perdão de Deus sem pecar. Eu me flagrava pensando que eu nunca amaria ao Senhor como os “ex-malucos” que víamos se convertendo. De fato eu tenho visto muitos que saíram do mais profundo abismo de drogas, alcoolismo, prostituição, magia, e de tudo o que degrada o ser humano. Eles, como Jesus disse, carregam uma profunda consciência do perdão de Deus e caminham na consciência da dívida de gratidão que possuem para com Ele.

Contudo, o Maligno me levava a pensar que, semelhantemente a Simão, que foi criado segundo a verdade da Palavra de Deus e a seguiu, eu nunca valorizaria a obra de Cristo em minha vida! É evidente que, com tais pensamentos, Satanás não queria me ensinar a amar mais profundamente a Deus. Eu sabia que o que ele de fato queria era desviar-me do Senhor, e eu nunca lhe dei ouvidos, mas eu não conseguia ter o entendimento do ensino de Jesus. Enganado, passei a considerar que o que antes me parecia ser um privilégio poderia ser um impedimento para que eu pudesse verdadeiramente amar ao Senhor. Mais tarde, descobri que este dilema não era somente meu. Até hoje, quando ensino sobre isto, muitos crentes que nasceram e cresceram no Evangelho me confidenciam que tinham o mesmo questionamento.

Satanás tenta promover o engano por meio da distorção dos princípios bíblicos. Vemos isto claramente na tentação de Jesus no deserto. O Inimigo tentou distorcer a aplicação do Salmo 91, no que dizia respeito à proteção dos anjos. Eu lutei contra estas setas de engano no que diz respeito à afirmação de Jesus de que quem muito é perdoado muito ama. Eu sabia que a Palavra de Deus é perfeita e nunca erra. Eu sabia também que eu não poderia desviar-me. Assim sendo, comecei a achar que este princípio era um pouco injusto, pois, na limitação do meu entendimento, eu achava que eu estava sendo impedido de amar profundamente ao Senhor e que Ele havia privilegiado os rebeldes e desobedientes, ao invés dos que tentam honrá-Lo por meio da obediência! Um dia, finalmente, Deus me respondeu e removeu o engano que oprimia o meu coração!

O QUE JESUS QUIS DIZER COM “MUITOS PECADOS”?

Deus fez com que eu visse e compreendesse um princípio em Sua Palavra: Jesus reconheceu que aquela mulher havia sido perdoada dos seus “muitos pecados”, e isso me levava a crer que Cristo concordava com o fato de que ela era mais pecadora do que Simão, pois Ele mesmo falou sobre dois devedores com dívidas diferentes. Tiago, no entanto, mostrou-nos em sua epístola um princípio normalmente pouco entendido pelos crentes:

“Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos. Porquanto, aquele que disse: Não adulterarás também ordenou: Não matarás. Ora, se não adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei.” (Tiago 2.10,11)

Quem tropeça num só ponto da Lei tropeça em todos. Aos olhos de Deus, todo tipo de pecado é pecado. Todos eles produzem separação entre nós e Deus (Is 59.1,2). É lógico que as consequências são diferentes, mas, para efeito de separação de Deus e necessidade de perdão, todos os pecados são iguais! Observe o que Cristo ensinou:

“Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela.” (Mateus 5.27,28)

O Senhor Jesus afirma que a cobiça dos olhos nos faz tão imorais quanto os que julgamos adúlteros. Contudo, não podemos pressupor que, se porventura tivermos pecado com os olhos, não haverá razão para interrompermos este processo antes de se tornar um adultério com envolvimento físico. Os dois “tipos” de adultério são pecado, mas as consequências de cada um são diferentes. Contudo, no que tange à contaminação do homem e à sua separação de Deus, os dois “tipos” de pecado produzem o mesmo efeito!

Ao escrever aos romanos, mostrando que não havia distinção entre judeus e gentios, Paulo declarou que, independentemente do quanto conheciam a Lei, todos se encontravam numa mesma condição:

“Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado; como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer.” (Romanos 3.9-12)

A Bíblia encerrou todos os homens, independentemente do que cada um tenha feito, sob a mesma condenação do pecado:

“Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado.” (Romanos 3.19,20)

Eu creio que a razão pela qual Deus lidou com essas coisas dessa maneira é uma só, e Paulo fala sobre isso: “ a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus” (1 Co 1.29). Nenhum de nós pode orgulhar-se de nada. Ninguém pode discutir sobre quem é mais pecador ou sobre quem merece a atenção e a justificação de Deus. Jesus também ensinou o seguinte sobre isto:

“Propôs também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado.” (Lucas 18.9-14)

Diante de tudo isto que Jesus declarou sobre o pecado, como também sobre a forma de os homens verem a si mesmos e à sua própria condição miserável diante de Deus, comecei a entender que Ele não poderia ter afirmado que Simão, o fariseu, era menos pecador do que aquela mulher. Na verdade, aparentemente Ele chegou a afirmar o contrário em outros momentos do Seu ensino:

“E que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Chegando-se ao primeiro, disse: Filho, vai hoje trabalhar na vinha. Ele respondeu: Sim, senhor; porém não foi. Dirigindo-se ao segundo, disse-lhe a mesma coisa. Mas este respondeu: Não quero; depois, arrependido, foi. Qual dos dois fez a vontade do pai? Disseram: O segundo. Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus. Porque João veio a vós outros no caminho da justiça, e não acreditastes nele; ao passo que publicanos e meretrizes creram. Vós, porém, mesmo vendo isto, não vos arrependestes, afinal, para acreditardes nele.” (Mateus 21.28-32)

Cristo ensinou sobre o mantermos as aparências e sobre a verdadeira obediência. Ele mostrou que, assim como para aquele pai não interessava o fato de a resposta inicial ser agradável ou não, e sim o que os filhos fizessem depois, assim também é no Reino de Deus. Alguns dizem “sim” depressa, mas tornam-se religiosos e posteriormente não demonstram uma obediência permanente, vindo a pecar com uma aparência de obediência. Outros, por outro lado, demoram a dizer “sim”. No início somente dizem “não” e se rebelam, mas depois demonstram que possuem a capacidade de se arrependerem e mudarem o seu posicionamento no sentido de obedecerem ao pai.

A declaração de Jesus foi muito forte! Ele disse que publicanos e prostitutas entrariam antes dos fariseus no Reino de Deus. Este contraste também é aplicável no caso de Simão e da mulher pecadora. Portanto, concluímos que o Senhor Jesus não estava comparando a “ficha corrida” de cada um, nem Se referindo ao volume de pecados que cada um tinha aos olhos de Deus. A chave do entendimento deste texto é sabermos que, ao falar de dívida maior e menor, de muitos e poucos pecados, Cristo está, na verdade, falando da forma como cada um vê a si mesmo, da capacidade de enxergarmos muito ou pouco dos nossos próprios pecados!

E esta não foi a única vez que Jesus agiu assim ao falar sobre o pecado e a nossa necessidade de Deus. Outra afirmação de Cristo confirma a diferença que há, especialmente neste contexto dos diferentes pecados dos fariseus e dos publicanos:

“Os fariseus e seus escribas murmuravam contra os discípulos de Jesus, perguntando: Por que comeis e bebeis com os publicanos e pecadores? Respondeu-lhes Jesus: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Não vim chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento.” (Lucas 5.30-32)

Jesus chamou os pecadores de doentes e disse que eles precisavam de um médico (um “salvador”). Contudo, Ele chamou os fariseus de sãos e disse que eles não precisavam de um médico (um “salvador”). A “doença” aqui é o pecado, e o “médico” é Jesus, na condição de Salvador. Porém, ao chamar os fariseus de sãos, Cristo não quis dizer que eles não haviam pecado, pois todos são pecadores. Jesus Se referia à maneira pela qual eles se viam aos seus próprios olhos!

Esta é a chave para entendermos o que o Senhor ensinou sobre “devermos muito ou devermos pouco”. Na verdade, isto não se refere à maneira como Deus nos vê, e sim à maneira como nós mesmos nos vemos! Não interessa o quanto pecamos e erramos em nossas vidas, e sim o quanto conseguimos enxergar das nossas próprias faltas e nos arrependermos!

OLHANDO PARA A VIDA DE PAULO

A prova disto pode ser vista na vida de Paulo. Ele também foi alguém que cresceu “certinho”, sem cometer grandes ofensas contra Deus:

“Bem que eu poderia confiar também na carne. Se qualquer outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu, quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível.” (Filipenses 3.4-6)

Ele declarou de forma enfática que, segundo a justiça que há na Lei Mosaica, ele viveu de forma irrepreensível. Portanto podemos dizer que ele se encontrava numa condição semelhante à minha de talvez pensar que jamais chegaria a amar tanto ao Senhor, pelo fato de não ter sido perdoado por Deus de uma dívida de pecado muito grande! No entanto, Paulo nunca agiu nem pensou desta maneira!

Podemos vê-lo demonstrando um grande amor pelo Senhor, não apenas pelo que fez (ele foi o apóstolo que mais trabalhou para Deus), mas também pelo que falou e ensinou à Igreja:

“Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou.” (2 Coríntios 5.14,15)

Com base na afirmação de Jesus, que abordamos desde o início deste estudo, de que quem muito é perdoado também muito ama, eu faço a seguinte pergunta: “Será que Paulo poderia ter demonstrado um amor tão grande como demonstrou, sem a consciência de ter sido perdoado de uma dívida igualmente grande?” Não! Na verdade, ele tinha esta consciência! Ele se via como o pior de todos os pecadores:

“Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade, e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna.” (1 Timóteo 1.15,16)

Isto nos mostra que, ao falar sobre uma “grande dívida”, Jesus estava Se referindo à capacidade de entendermos a gravidade dos nossos pecados e de nos arrependermos. Sabemos que Paulo, como alguém que viveu de forma irrepreensível no tocante à Lei de Moisés (que era extremamente rígida), não foi um devasso, nem um ladrão, ou tampouco um bêbado, ou outras coisas que o rotulariam como um “grande pecador”. Contudo, ele se via assim, em função da sua rendição à ação do Espírito Santo e por desejar experimentar um profundo arrependimento.

ENXERGANDO AS NOSSAS FALTAS

Esta é a chave! Ao falar sobre os “muitos pecados” daquela mulher na casa de Simão, Jesus não Se referia ao fato de que ela era uma prostituta, e sim que ela enxergou profundamente a sua dívida para com Deus.

No momento em que Deus me deu este entendimento, Ele também me mostrou a minha vida sob um outro ponto de vista. Ele fez com que eu visse a minha sujeira e as minhas misérias! Ele fez com que eu visse que, se eu cresci perto d’Ele, isto não aconteceu devido a uma ausência de rebeldia em meu íntimo, mas porque, além de eu haver recebido instruções e ensinos bíblicos, eu também tive muitas orações e intercessões cobrindo a minha vida!

O Senhor fez com que eu visse quantas vezes eu quase me desviei d’Ele, e que essas batalhas foram ganhas pelos meus pais com orações intercessórias a meu favor. O Senhor fez com que eu visse os sentimentos, pensamentos, julgamentos e inclinações carnais que de tal maneira ainda existem em mim que eu me senti o mais miserável e pecador de todos os homens!

Aí então eu comecei a entender também porque o Diabo tenta nos transformar em pessoas religiosas e espiritualmente orgulhosas. Comecei a perceber que, quando os nossos corações perdem a capacidade de serem sensíveis a Deus e de se arrependerem, perdemos também a capacidade de crescermos em amor ao Senhor.

Jesus nos mostrou que temos grandes dificuldades em enxergarmos as nossas próprias faltas, muito embora tenhamos facilidade de enxergarmos os erros dos outros:

“Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão.” (Mateus 7.3-5)

Muitas vezes não enxergamos as nossas misérias porque não permitimos que o Senhor as mostre a nós. Mas, se começarmos a entender pelo Espírito de Deus (que nos convence do pecado) a dimensão dos nossos erros e pecados e verdadeiramente nos arrependermos perante o Senhor, então a consciência de tudo o que Ele nos fez encherá as nossas almas de gratidão, e acontecerá uma verdadeira revolução em nosso íntimo. Tiago desafiou os crentes de seus dias a praticarem o arrependimento, enxergando as suas faltas:

“Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós. Limpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai o coração. Senti as vossas misérias, e lamentai, e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo, em tristeza. Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará.” (Tiago 4.8-10)

O que é “sentir as nossas misérias”? É permitirmos que Deus faça com que enxerguemos a gravidade dos nossos pecados e nos aflijamos por eles!

O tamanho do nosso pecado e da nossa dívida não pode ser medido apenas pelas coisas que fizemos contra Deus, e sim pela forma como enxergamos (ou não) o que fizemos!

A CONSCIÊNCIA DO QUE CRISTO FEZ POR NÓS

Uma vez que temos a capacidade de vermos os nossos erros e pecados, também precisamos ser capazes de olharmos para a Cruz e para o sacrifício de Cristo, para assim nos mantermos conscientes do que Ele fez por nós!

Paulo dizia que o amor de Cristo o “constrangia” (2 Co 5.14). Quanto mais ele enxergava o amor de Deus em contraposição aos seus erros, tanto mais gratidão ele percebia brotando dentro de si. O Senhor não quer que nenhum de nós se esqueça do que Ele fez. Esta é a razão da Ceia Memorial que Ele instituiu, como escreveu o apóstolo Paulo:

“Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.” (1 Coríntios 11.23-26)

Ao cearmos, anunciamos a Sua morte, até que Ele volte. Ao comermos o pão e bebermos do cálice em memória de Cristo, mantemo-nos conscientes do sacrifício que nos remiu!

Precisamos viver nesta esfera de consciência do que Jesus fez! Esta é a melhor forma de alimentarmos o nosso amor por Ele. Os cânticos do Apocalipse são um retrato claro de que esta ênfase de gratidão durará para todo o sempre! A morte de Cristo por nós parece ser uma das maiores ênfases no louvor e adoração lá na glória:

“E entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra. Vi e ouvi uma voz de muitos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, cujo número era de milhões de milhões e milhares de milhares, proclamando em grande voz: Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor.” (Apocalipse 5.9-12)

“Depois destas coisas, vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e clamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação.” (Apocalipse 7.9,10).

 De modo semelhante, também precisamos aprender a recordarmos constantemente o que Cristo fez por nós! Se aprendermos a viver com esta consciência, tudo será diferente! O nosso amor aumentará, e assim passaremos a viver com uma permanente dívida de gratidão com Deus!

Autor: Luciano P. Subirá. É o responsável pelo Orvalho.Com – um ministério de ensino bíblico ao Corpo de Cristo. Também é pastor da Comunidade Alcance em Curitiba/PR. Casado com Kelly, é pai de dois filhos: Israel e Lissa.

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